Como mencionado na postagem anterior....
"Ao final do exame neurológico devemos responder às seguintes perguntas:
1. Os sinais clínicos observados são devidos a alterações no sistema nervoso?
2. Qual é a localização da lesão no sistema nervoso?
3. Quais são os principais tipos de doenças capazes de gerar essas alterações?
4. Baseado na resposta à terceira pergunta, deve-se determinar a conduta a ser seguida e o prognóstico"
1- Como determinar se os sinais observados são devidos a alterações no sistema nervoso?
- Se o exame neurológico encontrar-se sem alteração, é bastante provável que não se trate de uma condição neurológica - HÁ EXCEÇÕES, por exemplo:
1- animais podem apresentar quadros extremamente agudos devidos a alterações vasculares transitórias no sistema nervoso, que podem não deixar sinais após os episódios 2- a ocorrência de dor episódica pode ser o único sinal observado em animais com quadros de compressão medular.
Quadros ortopédicos ou puramente comportamentais (transtorno obsessivo compulsivo, por exemplo) são comumente confundidos com condições neurológicas.
- Se forem observadas alterações ao exame neurológico, é provável que os sinais observados sejam devidos a alteração de origem neurológica - HÁ EXCEÇÕES, por exemplo: animais que não se movimentam por condições ortopédicas dolorosas (como a displasia coxofemoral, por exemplo) podem apresentar dor à palpação de coluna como um achado muito comum, que não está relacionado à causa da dificuldade de deambulação desse animal e pode gerar confundimento.
2- Após concluir que se trata de uma condição neurológica, o próximo passo é localizar a lesão no sistema nervoso. Trata-se de um passo extremamente importante, pois:
- diferentes localizações estão relacionadas com diferentes diagnósticos diferenciais - exemplos: espondilomielopatia cervical caudal (síndrome de wobbler) é comumente observada na região cervical, assim como subluxação atlantoaxial. Os divertículos aracnoides são mais frequentes na região de coluna toracolombar em raças pequenas, enquanto em raças grandes são mais comuns na região cervical. Alterações multifocais estão comumente relacionadas a alterações inflamatórias/infecciosas.
- diferentes localizações estão relacionadas a exames complementares específicos - exemplo: a análise de líquido cerebroespinhal é adequada para alterações de sistema nervoso central - principalmente inflamatórias/infecciosas-, não tendo muito valor diagnóstico em doenças do sistema nervoso periférico.
- em caso da necessidade de exames de imagem é imprescindível que a região correta seja pesquisada para que se chegue ao diagnóstico adequado. *cuidado com os achados de imagem sem correlação clínica! Por exemplo: espondilose.
Podemos dividir o sistema nervoso em 5 "macrorregiões", cuja disfunção apresenta sinais clínicos específicos que devem ser reconhecidos pelo clínico neurologista:
1- Prosencéfalo (sinônimos: córtex, cérebro, tálamo-córtex)
2- Tronco encefálico
3- Cerebelo
4- Medula espinhal (com 4 regiões de importância clínica)
5- Sistema nervoso periférico
OBS: as 4 primeiras regiões pertencem ao sistema nervoso central
1- Prosencéfalo (tálamo-córtex, córtex, cérebro)
Essa região compreende o diencéfalo + telencéfalo, e situa-se no compartimento intra-craniano rostrotentorial (rostral ao tentório cerebelar). Dois dos 12 pares de nervos cranianos (I e II) situam-se na região de prosencéfalo: I- olfatório, no bulbo olfatório II-óptico, no quiasma óptico (região de diencéfalo)
Sinais clínicos de disfunção em prosencéfalo:
- alterações comportamentais (agressividade ou amistosidade que fujam do comportamento normal do animal, alteração dos locais em que animal fazia suas necessidades fisiológicas, etc) *Importante: questionar sobre o comportamento do animal em casa durante a anamnese
- andar em círculos SEM HEAD TILT OU ATAXIA (na maioria das vezes o animal andará em círculos para o lado da lesão)
- crises epilépticas
- andar compulsivo
- "head pressing" - pressionar da cabeça contra a parede, chão ou outras superfícies
- defice proprioceptivo contra-lateral à lesão sem ataxia ou paresia
- defice de reação à ameaça contralateral à lesão
- defice de sensibilidade do plano nasal contra-lateral à lesão
- amaurose ou cegueira central (manutenção do reflexo pupilar com cegueira)
- em alterações unilaterais pode-se observar hemiagnosia ou hemi-inatenção espacial - falta de percepção dos estímulos em um lado. Pode ser percebida quando o animal deixa sempre um lado da tigela cheio de ração ou quando o proprietário chama o animal por um lado mas ele se vira sempre pelo outro lado, por exemplo.
PONTO CHAVE PARA RECONHECIMENTO DE LESÃO EM PROSENCÉFALO: alteração comportamental, andar em círculos, defice proprioceptivo sem alterações óbvias à marcha (paresia ou ataxia)
Esse tipo de alteração pode ser observada em animais idosos com disfunção prosencefálica. É importante ressaltar que o diagnóstico de síndrome da disfunção cognitiva do cão idoso (degeneração semelhante a doença de Alzheimer em seres humanos, que será discutida em tópico a seguir) é um diagnóstico de exclusão. Ou seja: não se deve receber um cão idoso que apresente esses sinais e dar o diagnóstico dessa alteração sem que se tenha excluído outras causas intra e extra-cranianas para esse tipo de disfunção. É de comum opinião entre os neurologistas veterinários que essa síndrome é super-diagnosticada na medicina veterinária, sendo que muitas vezes esses sinais estão relacionados a tumores intra-cranianos.
2- Tronco encefálico
Essa estrutura compreende três diferentes regiões: mesencéfalo, ponte e bulbo (ou medula oblonga). Situa-se rostralmente à medula espinhal, caudalmente ao diencéfalo e ventralmente ao cerebelo, estando bastante envolvido com a função dessas três regiões. É chamado de cérebro reptiliano, por ser uma estrutura filogeneticamente mais antiga que o córtex, tendo surgido nos répteis com a função de regular comportamentos e movimentos associados à sobrevivência. Essas funções continuam sendo desempenhadas pelo tronco encefálico porém muitas delas passaram a ser controladas por estruturas superiores filogeneticamente (como hipotálamo, por exemplo). O tronco encefálico compreende dez dos 12 pares de nervos cranianos (III a XII). Além disso, compreende o sistema ativador reticular ascendente (SARA) responsável pela manutenção do estado de vigília e nível de consciência por meio da ativação do córtex.
Sinais de disfunção:
- depressão do nível de consciência
- andar em círculos COM HEAD TILT E ATAXIA VESTIBULAR
- quedas
- defice proprioceptivo ipsilateral à lesão com ataxia vestibular e paresia ipsilateral
- sinais vestibulares centrais ou periféricos como depressão de estado mental, tetraparesia não-ambulatorial, ataxia vestibular, sinais cerebelares, nistagmo patológico ou posicional e défices proprioceptivos (as síndromes vestibulares serão discutidas em tópico a seguir)
- alteração em diversas avaliações de nervos cranianos, conforme a região acometida:
- mesencéfalo (pares de nervos III e IV)
- estrabismo, paralisia ocular, midríase
- ponte (função motora do V par)
- atrofia dos músculos mastigatórios
- medula oblonga rostral (função sensitiva do V par, VI, VII, VIII)
- defice na sensibilidade facial, paralisia facial, inclinação da cabeça, estrabismo
- medula oblonga caudal (IX, X, XI, XII)
-disfonia, disfagia, paralisia da língua
PONTO CHAVE PARA RECONHECER LESÕES EM TRONCO ENCEFÁLICO: defices de nervos cranianos, sinais vestibulares, alteração de estado mental
3- Cerebelo
O cerebelo localiza-se sobre o bulbo e a ponte, mantendo-se ligado ao tronco encefálico por três pedúnculos. Funcionalmente, atua em nível inconsciente e involuntário (motricidade). Promove a contração adequada dos músculos axiais e proximais dos membros e mantem o tono muscular, o que é importante para a execução de movimentos, postura e coordenação e harmonia de movimentos finos.
Sinais de disfunção:
- estado mental: mantido
- hipermetria
- ataxia da cabeça e membros (ataxia cerebelar) sem defice proprioceptivo ou paresia
- tremores de intenção na cabeça, tronco e membros
- postura em base ampla
- desequilíbrio e quedas
- defice de reação à ameaça ipsilateral à lesão
- podem ser observados sinais vestibulares
PONTO CHAVE PARA RECONHECIMENTO DE ALTERAÇÃO EM CEREBELO: tremores, ataxia sem defice proprioceptivo ou paresia, hipermetria
4- Medula espinhal
A medula espinhal pode ser definida de uma forma bastante simplista como integradora de circuitos entre as estruturas intracranianas e o sistema nervoso periférico para realização de movimentos voluntários. Dessa forma, sua função mais básica é permitir a execução da marcha. As vias motoras somáticas ou piramidais são compostas por neurônios motores superiores (NMS) e neurônios motores inferiores (NMI).
Os NMS apresentam seus corpos celulares na área motora do córtex, e seus axônios seguem no tronco encefálico pelo trato corticoespinhal e na medula espinhal por diversos tratos. Os NMS têm as funções de iniciar o movimento os movimentos voluntários e manter o tonus muscular (facilitando os músculos flexores dos membros e inibindo os músculos extensores dos membros). Dessa forma, quando ocorre lesão em região em que se encontra NMS observa-se paresia ou plegia (pela perda da seguinte função realizada pelo NMS: início de movimento) e aumento de tônus muscular extensor (pela perda da seguinte função realizada pelo NMS: manutenção do tono muscular).
*Acredita-se que o controle cortical da função motora voluntária seja de menor importância em cães e gatos em comparação a seres humanos. No entanto, lesões aos neurônios do córtex cerebral ou seus tratos de substância branca associados podem resultar em hemiparesia contralateral sutil.
zação das lesões na medula espinhal começa com a avaliação da locomoção.
Já os NMI apresentam seus corpos celulares na coluna ventral da substância cinzenta da medula espinhal. Seus axônios deixam o SNC por meio de nervos periféricos para fazer sinapses com o músculo efetor. Têm como função a manifestação do movimento. Em termos conceituais, a medula espinhal é dividida em segmentos de acordo com a localização dos NMI responsáveis pela inervação da musculatura apendicular (apesar da existência de NMI em toda a extensão da medula espinhal, aqueles com importância clínica -pela possibilidade de serem avaliados clinicamente no exame neurológico- são aqueles que inervam os membros, bexiga, esfincteres anais e uretrais). Tais NMI de importância clínica estão localizados na intumescência cervical (segmento medular C6-T2) e na intumescência lombossacral (segmento medular L4-S3). Dano a esses segmentos provoca lesão de NMI, caracterizada por paresia/plegia, redução de tônus e de reflexos espinhais.
Além disso, lesão medular que atinja os fascículos grácil e cuneiforme pode gerar ataxia proprioceptiva em membros pélvicos e torácicos, respectivamente.
Resumindo...
Sinais de lesão em medula espinhal em região cervical cranial (C1-C5) - lesão de NMS para os 4 membros
-tetraparesia ambulatorial ou não ambulatorial ou tetraplegia
- ataxia proprioceptiva nos 4 membros (pode ser mais evidente em MPS)
-tono normal a aumentado nos 4 membros
- reflexos espinhais normais a aumentados nos 4 membros
- atrofia muscular leve nos 4 membros
- reflexo cutâneo do tronco geralmente inalterado
- pode haver dor à palpação de coluna cervical
Sinais de lesão em medula espinhal em região cervical caudal (C6-T2)- lesão de NMI para MTS e de NMS para MPS
-tetraparesia ambulatorial ou não ambulatorial ou tetraplegia
- ataxia proprioceptiva nos 4 membros
- hipometria em MTS
-tono reduzido em MTS e normal a aumentado em MPS
- reflexos espinhais reduzidos em MTS e normais a aumentados em MPS
- atrofia muscular severa em MTS e leve em MPS
- reflexo cutâneo do tronco pode estar ausente
- pode haver dor à palpação de coluna cervical
Sinais de lesão em medula espinhal em região toracolombar (T3-L3)- lesão de NMS para MPS
- paraparesia ambulatorial ou não ambulatorial ou paraplegia
- ataxia proprioceptiva em MPS (MTS sem alteração)
- tono normal a aumentado em MPS (MTS sem alteração)
- reflexos espinhais normais a aumentados em MPS (MTS sem alteração)
- atrofia muscular leve em MPS (MTS sem alteração)
- reflexo cutâneo do tronco pode determinar a região acometida
- pode haver dor à palpação de coluna toracolombar
*Existe uma exceção (Posição de Schiff-Sherrington) em que lesões graves nessa região podem causar alteração também em MTS. Isso será discutido em tópico seguinte.
Sinais de lesão em medula espinhal em região lombossacra (L4-S3) - lesão de NMI para MPS
- paraparesia ambulatorial ou não ambulatorial ou paraplegia
- ataxia proprioceptiva em MPS (MTS sem alteração)
- tono reduzido em MPS (MTS sem alteração)
- reflexos espinhais reduzidos em MPS (MTS sem alteração)
- atrofia muscular severa em MPS (MTS sem alteração)
PONTO CHAVE PARA RECONHECIMENTO DE LESÃO NA MEDULA ESPINHAL: paresia/plegia, ataxia. Localizar: NMS ou NMI?
A medula espinhal acaba na região vertebral aproximada de L5. Após essa região, há apenas prolongamentos de nervos no canal vertebral (cauda equina), sendo considerado sistema nervoso periférico. Tal localização será discutida aqui, apesar de tratar-se de SNP.
Sinais de lesão em cauda equina (coluna caudal à L5)
- paraparesia sem ataxia, NUNCA PARAPLEGIA
- pode haver defice proprioceptivo
- pode haver defice de retirada em MPS, não do reflexo patelar
- pode haver bexiga neurogênica (retenção ou incontinência)
- pode haver claudicação uni ou bilateral em MPS
- cauda com hipo ou atonia
5- Sistema nervoso periférico (SNP)
Compreende raízes nervosas, nervos, junções neuromusculares e músculos. Quando há acometimento de SNP, são observados sinais de lesão de neurônio motor inferior para os quatro membros.
Sinais de disfunção:
- tetraparesia ambulatorial (sem ataxia) ou não ambulatorial
- redução de tônus e reflexos espinhais
- pode haver ventro-flexão de pescoço
- pode haver redução de tônus de cauda
- atrofia muscular severa
- quando os animais apresentam-se ambulatoriais, pode haver postura palmígrada/plantígrada
- pode haver envolvimento de alguns nervos cranianos, principalmente VII par (facial)
- geralmente a porção sensitiva é mantida ou mesmo exacerbada: o animal sente o estímulo para retirada, demonstra dor (algumas vezes até exagerada) mas não consegue retirar o membro.
PONTO CHAVE PARA RECONHECIMENTO DE ALTERAÇÃO EM SNP: sinais de lesão de neurônio motor inferior para os quatro membros
A realização adequada do exame neurológico e o reconhecimento de defices e regiões relacionadas a essas funções permitem a adequada localização da lesão no sistema nervoso, o que é imprescindível para que se possa chegar ao diagnóstico adequado. Nas postagens seguintes serão discutidos os próximos passos para que se possa responder as 4 perguntas básicas ao fim do exame neurológico.
1- Como determinar se os sinais observados são devidos a alterações no sistema nervoso?
- Se o exame neurológico encontrar-se sem alteração, é bastante provável que não se trate de uma condição neurológica - HÁ EXCEÇÕES, por exemplo:
1- animais podem apresentar quadros extremamente agudos devidos a alterações vasculares transitórias no sistema nervoso, que podem não deixar sinais após os episódios 2- a ocorrência de dor episódica pode ser o único sinal observado em animais com quadros de compressão medular.
Quadros ortopédicos ou puramente comportamentais (transtorno obsessivo compulsivo, por exemplo) são comumente confundidos com condições neurológicas.
- Se forem observadas alterações ao exame neurológico, é provável que os sinais observados sejam devidos a alteração de origem neurológica - HÁ EXCEÇÕES, por exemplo: animais que não se movimentam por condições ortopédicas dolorosas (como a displasia coxofemoral, por exemplo) podem apresentar dor à palpação de coluna como um achado muito comum, que não está relacionado à causa da dificuldade de deambulação desse animal e pode gerar confundimento.
2- Após concluir que se trata de uma condição neurológica, o próximo passo é localizar a lesão no sistema nervoso. Trata-se de um passo extremamente importante, pois:
- diferentes localizações estão relacionadas com diferentes diagnósticos diferenciais - exemplos: espondilomielopatia cervical caudal (síndrome de wobbler) é comumente observada na região cervical, assim como subluxação atlantoaxial. Os divertículos aracnoides são mais frequentes na região de coluna toracolombar em raças pequenas, enquanto em raças grandes são mais comuns na região cervical. Alterações multifocais estão comumente relacionadas a alterações inflamatórias/infecciosas.
- diferentes localizações estão relacionadas a exames complementares específicos - exemplo: a análise de líquido cerebroespinhal é adequada para alterações de sistema nervoso central - principalmente inflamatórias/infecciosas-, não tendo muito valor diagnóstico em doenças do sistema nervoso periférico.
- em caso da necessidade de exames de imagem é imprescindível que a região correta seja pesquisada para que se chegue ao diagnóstico adequado. *cuidado com os achados de imagem sem correlação clínica! Por exemplo: espondilose.
Podemos dividir o sistema nervoso em 5 "macrorregiões", cuja disfunção apresenta sinais clínicos específicos que devem ser reconhecidos pelo clínico neurologista:
1- Prosencéfalo (sinônimos: córtex, cérebro, tálamo-córtex)
2- Tronco encefálico
3- Cerebelo
4- Medula espinhal (com 4 regiões de importância clínica)
5- Sistema nervoso periférico
OBS: as 4 primeiras regiões pertencem ao sistema nervoso central
1- Prosencéfalo (tálamo-córtex, córtex, cérebro)
Essa região compreende o diencéfalo + telencéfalo, e situa-se no compartimento intra-craniano rostrotentorial (rostral ao tentório cerebelar). Dois dos 12 pares de nervos cranianos (I e II) situam-se na região de prosencéfalo: I- olfatório, no bulbo olfatório II-óptico, no quiasma óptico (região de diencéfalo)
Sinais clínicos de disfunção em prosencéfalo:
- alterações comportamentais (agressividade ou amistosidade que fujam do comportamento normal do animal, alteração dos locais em que animal fazia suas necessidades fisiológicas, etc) *Importante: questionar sobre o comportamento do animal em casa durante a anamnese
- andar em círculos SEM HEAD TILT OU ATAXIA (na maioria das vezes o animal andará em círculos para o lado da lesão)
- crises epilépticas
- andar compulsivo
- "head pressing" - pressionar da cabeça contra a parede, chão ou outras superfícies
- defice proprioceptivo contra-lateral à lesão sem ataxia ou paresia
- defice de reação à ameaça contralateral à lesão
- defice de sensibilidade do plano nasal contra-lateral à lesão
- amaurose ou cegueira central (manutenção do reflexo pupilar com cegueira)
- em alterações unilaterais pode-se observar hemiagnosia ou hemi-inatenção espacial - falta de percepção dos estímulos em um lado. Pode ser percebida quando o animal deixa sempre um lado da tigela cheio de ração ou quando o proprietário chama o animal por um lado mas ele se vira sempre pelo outro lado, por exemplo.
Video evidenciando sinais de lesão em prosencéfalo em cão com hidrocefalia congênita grave (foto). No vídeo observa-se alteração comportamental, com tendência a andar em círculos e andar compulsivo. Além disso, o animal apresentava agressividade intensa.
PONTO CHAVE PARA RECONHECIMENTO DE LESÃO EM PROSENCÉFALO: alteração comportamental, andar em círculos, defice proprioceptivo sem alterações óbvias à marcha (paresia ou ataxia)
Esse tipo de alteração pode ser observada em animais idosos com disfunção prosencefálica. É importante ressaltar que o diagnóstico de síndrome da disfunção cognitiva do cão idoso (degeneração semelhante a doença de Alzheimer em seres humanos, que será discutida em tópico a seguir) é um diagnóstico de exclusão. Ou seja: não se deve receber um cão idoso que apresente esses sinais e dar o diagnóstico dessa alteração sem que se tenha excluído outras causas intra e extra-cranianas para esse tipo de disfunção. É de comum opinião entre os neurologistas veterinários que essa síndrome é super-diagnosticada na medicina veterinária, sendo que muitas vezes esses sinais estão relacionados a tumores intra-cranianos.
2- Tronco encefálico
Essa estrutura compreende três diferentes regiões: mesencéfalo, ponte e bulbo (ou medula oblonga). Situa-se rostralmente à medula espinhal, caudalmente ao diencéfalo e ventralmente ao cerebelo, estando bastante envolvido com a função dessas três regiões. É chamado de cérebro reptiliano, por ser uma estrutura filogeneticamente mais antiga que o córtex, tendo surgido nos répteis com a função de regular comportamentos e movimentos associados à sobrevivência. Essas funções continuam sendo desempenhadas pelo tronco encefálico porém muitas delas passaram a ser controladas por estruturas superiores filogeneticamente (como hipotálamo, por exemplo). O tronco encefálico compreende dez dos 12 pares de nervos cranianos (III a XII). Além disso, compreende o sistema ativador reticular ascendente (SARA) responsável pela manutenção do estado de vigília e nível de consciência por meio da ativação do córtex.
Sinais de disfunção:
- depressão do nível de consciência
- andar em círculos COM HEAD TILT E ATAXIA VESTIBULAR
- quedas
- defice proprioceptivo ipsilateral à lesão com ataxia vestibular e paresia ipsilateral
- sinais vestibulares centrais ou periféricos como depressão de estado mental, tetraparesia não-ambulatorial, ataxia vestibular, sinais cerebelares, nistagmo patológico ou posicional e défices proprioceptivos (as síndromes vestibulares serão discutidas em tópico a seguir)
- alteração em diversas avaliações de nervos cranianos, conforme a região acometida:
- mesencéfalo (pares de nervos III e IV)
- estrabismo, paralisia ocular, midríase
- ponte (função motora do V par)
- atrofia dos músculos mastigatórios
- medula oblonga rostral (função sensitiva do V par, VI, VII, VIII)
- defice na sensibilidade facial, paralisia facial, inclinação da cabeça, estrabismo
- medula oblonga caudal (IX, X, XI, XII)
-disfonia, disfagia, paralisia da língua
PONTO CHAVE PARA RECONHECER LESÕES EM TRONCO ENCEFÁLICO: defices de nervos cranianos, sinais vestibulares, alteração de estado mental
3- Cerebelo
O cerebelo localiza-se sobre o bulbo e a ponte, mantendo-se ligado ao tronco encefálico por três pedúnculos. Funcionalmente, atua em nível inconsciente e involuntário (motricidade). Promove a contração adequada dos músculos axiais e proximais dos membros e mantem o tono muscular, o que é importante para a execução de movimentos, postura e coordenação e harmonia de movimentos finos.
Sinais de disfunção:
- estado mental: mantido
- hipermetria
- ataxia da cabeça e membros (ataxia cerebelar) sem defice proprioceptivo ou paresia
- tremores de intenção na cabeça, tronco e membros
- postura em base ampla
- desequilíbrio e quedas
- defice de reação à ameaça ipsilateral à lesão
- podem ser observados sinais vestibulares
Video evidenciando sinais clínicos de disfunção cerebelar em filhote de gato: desequilíbrio, quedas, tremores de cabeça, tronco e membros. É relativamente comum a observação de hipoplasia cerebelar em filhotes de gatos infectados in utero ou no período perinatal pelo vírus da panleucopenia felina (parvovírus felino).
PONTO CHAVE PARA RECONHECIMENTO DE ALTERAÇÃO EM CEREBELO: tremores, ataxia sem defice proprioceptivo ou paresia, hipermetria
4- Medula espinhal
A medula espinhal pode ser definida de uma forma bastante simplista como integradora de circuitos entre as estruturas intracranianas e o sistema nervoso periférico para realização de movimentos voluntários. Dessa forma, sua função mais básica é permitir a execução da marcha. As vias motoras somáticas ou piramidais são compostas por neurônios motores superiores (NMS) e neurônios motores inferiores (NMI).
Os NMS apresentam seus corpos celulares na área motora do córtex, e seus axônios seguem no tronco encefálico pelo trato corticoespinhal e na medula espinhal por diversos tratos. Os NMS têm as funções de iniciar o movimento os movimentos voluntários e manter o tonus muscular (facilitando os músculos flexores dos membros e inibindo os músculos extensores dos membros). Dessa forma, quando ocorre lesão em região em que se encontra NMS observa-se paresia ou plegia (pela perda da seguinte função realizada pelo NMS: início de movimento) e aumento de tônus muscular extensor (pela perda da seguinte função realizada pelo NMS: manutenção do tono muscular).
*Acredita-se que o controle cortical da função motora voluntária seja de menor importância em cães e gatos em comparação a seres humanos. No entanto, lesões aos neurônios do córtex cerebral ou seus tratos de substância branca associados podem resultar em hemiparesia contralateral sutil.
zação das lesões na medula espinhal começa com a avaliação da locomoção.
Já os NMI apresentam seus corpos celulares na coluna ventral da substância cinzenta da medula espinhal. Seus axônios deixam o SNC por meio de nervos periféricos para fazer sinapses com o músculo efetor. Têm como função a manifestação do movimento. Em termos conceituais, a medula espinhal é dividida em segmentos de acordo com a localização dos NMI responsáveis pela inervação da musculatura apendicular (apesar da existência de NMI em toda a extensão da medula espinhal, aqueles com importância clínica -pela possibilidade de serem avaliados clinicamente no exame neurológico- são aqueles que inervam os membros, bexiga, esfincteres anais e uretrais). Tais NMI de importância clínica estão localizados na intumescência cervical (segmento medular C6-T2) e na intumescência lombossacral (segmento medular L4-S3). Dano a esses segmentos provoca lesão de NMI, caracterizada por paresia/plegia, redução de tônus e de reflexos espinhais.
Além disso, lesão medular que atinja os fascículos grácil e cuneiforme pode gerar ataxia proprioceptiva em membros pélvicos e torácicos, respectivamente.
Resumindo...
Sinais de lesão em medula espinhal em região cervical cranial (C1-C5) - lesão de NMS para os 4 membros
-tetraparesia ambulatorial ou não ambulatorial ou tetraplegia
- ataxia proprioceptiva nos 4 membros (pode ser mais evidente em MPS)
-tono normal a aumentado nos 4 membros
- reflexos espinhais normais a aumentados nos 4 membros
- atrofia muscular leve nos 4 membros
- reflexo cutâneo do tronco geralmente inalterado
- pode haver dor à palpação de coluna cervical
Video 1 evidenciando sinais clínicos de lesão em medula espinhal cervical cranial (C1-C5): tetraplegia, com aumento de tônus no 4 membros. O animal apresentava manutenção dos reflexos espinhais nos 4 membros, reflexo cutâneo do tronco sem alteração e intensa sensibilidade em região de coluna cervical. RX evidenciou redução de espaço invertebral. TC confirmou compressão medular por protrusão de disco intervertebral. Animal foi encaminhado para slot ventral. Video 2 evidencia melhora considerável duas semanas após realização da cirurgia.
-tetraparesia ambulatorial ou não ambulatorial ou tetraplegia
- ataxia proprioceptiva nos 4 membros
- hipometria em MTS
-tono reduzido em MTS e normal a aumentado em MPS
- reflexos espinhais reduzidos em MTS e normais a aumentados em MPS
- atrofia muscular severa em MTS e leve em MPS
- reflexo cutâneo do tronco pode estar ausente
- pode haver dor à palpação de coluna cervical
Sinais de lesão em medula espinhal em região toracolombar (T3-L3)- lesão de NMS para MPS
- paraparesia ambulatorial ou não ambulatorial ou paraplegia
- ataxia proprioceptiva em MPS (MTS sem alteração)
- tono normal a aumentado em MPS (MTS sem alteração)
- reflexos espinhais normais a aumentados em MPS (MTS sem alteração)
- atrofia muscular leve em MPS (MTS sem alteração)
- reflexo cutâneo do tronco pode determinar a região acometida
- pode haver dor à palpação de coluna toracolombar
Video evidenciando sinais de lesão em medula espinhal em região toracolombar (T3-L3) observáveis à apreciação de marcha: paraparesia ambulatorial, ataxia proprioceptiva. Também foram observados défice proprioceptivo em MPS ,aumento de tônus e manutenção de reflexos espinhais nesses membros. Imagem evidenciando a presença divertículo aracnóide, alteração relativamente comum em cães com cauda em parafuso (Pug, buldogue francês e inglês) na região toracolombar.
*Existe uma exceção (Posição de Schiff-Sherrington) em que lesões graves nessa região podem causar alteração também em MTS. Isso será discutido em tópico seguinte.
Sinais de lesão em medula espinhal em região lombossacra (L4-S3) - lesão de NMI para MPS
- paraparesia ambulatorial ou não ambulatorial ou paraplegia
- ataxia proprioceptiva em MPS (MTS sem alteração)
- tono reduzido em MPS (MTS sem alteração)
- reflexos espinhais reduzidos em MPS (MTS sem alteração)
- atrofia muscular severa em MPS (MTS sem alteração)
- reflexo cutâneo do tronco pode estar inalterado
-pode haver dor à palpação de coluna lombossacra
PONTO CHAVE PARA RECONHECIMENTO DE LESÃO NA MEDULA ESPINHAL: paresia/plegia, ataxia. Localizar: NMS ou NMI?
A medula espinhal acaba na região vertebral aproximada de L5. Após essa região, há apenas prolongamentos de nervos no canal vertebral (cauda equina), sendo considerado sistema nervoso periférico. Tal localização será discutida aqui, apesar de tratar-se de SNP.
Sinais de lesão em cauda equina (coluna caudal à L5)
- paraparesia sem ataxia, NUNCA PARAPLEGIA
- pode haver defice proprioceptivo
- pode haver defice de retirada em MPS, não do reflexo patelar
- pode haver bexiga neurogênica (retenção ou incontinência)
- pode haver claudicação uni ou bilateral em MPS
- cauda com hipo ou atonia
5- Sistema nervoso periférico (SNP)
Compreende raízes nervosas, nervos, junções neuromusculares e músculos. Quando há acometimento de SNP, são observados sinais de lesão de neurônio motor inferior para os quatro membros.
Sinais de disfunção:
- tetraparesia ambulatorial (sem ataxia) ou não ambulatorial
- redução de tônus e reflexos espinhais
- pode haver ventro-flexão de pescoço
- pode haver redução de tônus de cauda
- atrofia muscular severa
- quando os animais apresentam-se ambulatoriais, pode haver postura palmígrada/plantígrada
- pode haver envolvimento de alguns nervos cranianos, principalmente VII par (facial)
- geralmente a porção sensitiva é mantida ou mesmo exacerbada: o animal sente o estímulo para retirada, demonstra dor (algumas vezes até exagerada) mas não consegue retirar o membro.
Vídeo 1 evidenciando cadela com lesão em sistema nervoso periférico. Observa-se tetraparesia não ambulatorial com aparente redução de tônus para os 4 membros. Vídeo 2 evidenciando melhora considerável da deambulação após 2 meses de fisioterapia. Suspeita clínica: polirradiculoneurite.
PONTO CHAVE PARA RECONHECIMENTO DE ALTERAÇÃO EM SNP: sinais de lesão de neurônio motor inferior para os quatro membros
A realização adequada do exame neurológico e o reconhecimento de defices e regiões relacionadas a essas funções permitem a adequada localização da lesão no sistema nervoso, o que é imprescindível para que se possa chegar ao diagnóstico adequado. Nas postagens seguintes serão discutidos os próximos passos para que se possa responder as 4 perguntas básicas ao fim do exame neurológico.
Por: Maria Paula Rajão Costa Coelho
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